Vim de comboio
admirei a paisagem
em redor da tua cidade
e digo-te:
há um ar cinzento de cataclismo
atmosfera de desastre
plenilúnio de catástrofe
Anda
pela tua cidade
uma vigésima criança que mendiga
e óleos de musgo pendem
dos velhos edifícios
há
uma incerteza
vergôntea tragédia
há
um cheiro a rancor e a mortos
que me asfixia
ou será este silêncio das dez da noite pelas ruas
a cidade sem automóveis
a cidade com medo
e mil e um refugiados que se escondem nos bosques
dos teus perímetros balneários
e quinze mil presos políticos gemem em pocilgas
Há
uma luta subterrânea
um medo opaco
uma relva seca
uma impressão de ressentimento
e um silêncio de agouro
negro pássaro de morte
que anuncia por todos os lados
a vinda de outros tempos.
Cristina Peri Ross, Uruguai (n. 1941), tradução de Soledade Santos